Assim como um administrador de uma cidade é zeloso nos seus deveres da cidade e um charreteiro nos da sua carruagem, uma pessoa sábia deve ser cautelosa nas suas obrigações com o corpo. Um eixo fixado num veículo dotado de qualidades essenciais sustenta-o mas acaba, com o tempo, depreciado por seu limite normal; da mesma maneira, a duração da vida do corpo de um ser humano chega ao seu fim após o limite normal. Esse tipo de morte é conhecido como oportuna. Assim como o mesmo eixo é destruído no caminho devido a uma sobrecarga, uma estrada irregular, rodagem na estrada, quebra das rodas, defeitos no veículo ou deficiências do motorista, separação de um raio, falta lubrificação ou solavanco, da mesma maneira a duração da vida de um humano chega ao final do percurso devido ao esforço excessivo, uma dieta que não esteja de acordo com a sua natureza, refeições irregulares, posturas corporais complicadas, excesso de indulgências no intercurso sexual, companhia de pessoas ignóbeis, supressão das necessidades induzidas, não-supressão das necessidades reprimíveis, imposição de um organismo, ventos e fogo venenosos, ferimentos ou abstenção de alimentos e medicamentos.
Charaka, Séc. VI a.C.
Introdução ao Áyurveda
O Áyurveda é a ciência irmã do Yoga para cura do corpo e da mente. O Yoga tradicional emprega a terminologia e o método do Áyurveda no diagnóstico e tratamento das doenças físicas e mentais. Sua concepção do funcionamento de nossa fisiologia e psicologia é ayurvédica. Do mesmo modo, o Áyurveda adota uma perspectiva yogí da cura do corpo e da mente, baseando-se na mesma filosofia de trabalhar com a natureza e na metodologia de promover o equilíbrio interno e externo. O Áyurveda emprega também métodos yogís como os ásanas, pránáyámas e meditações para o rejuvenescimento do corpo e da mente. É preciso, portanto, sempre considerar os dois sistemas conjuntamente, em especial para fins terapêuticos.
O Áyurveda é o nome dado à ciência médica desenvolvida na índia há cerca de cinco mil anos, o que faz dele um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. Áyurveda significa ciência (veda) da vida (ayur). Continua a ser praticada regularmente na Índia e tem-se difundido por todo o mundo como uma técnica respeitada de medicina tradicional.
A medicina ayurvédica é conhecida como a mãe da medicina, pois seus princípios e estudos foram à base para, posteriormente, o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa, árabe, romana e grega.
A medicina ayurvédica prega o profundo conhecimento das relações entre mente, energia vital e corpo. Sua ênfase está no emprego de terapias preventivas e curativas, por meio do emprego de diferentes métodos naturais de eliminação de toxinas do corpo e da mente. A utilização de massagens, ervas e óleos medicinais propicia a prevenção e cura de inúmeros males, assim como levam à longevidade e ao rejuvenescimento.
É a arte de viver em harmonia com as leis da natureza, assumindo-se como uma natural e antiga sabedoria sobre saúde e cura. De acordo com o Áyurveda cada indivíduo é uma criação única da natureza, e que por isso o ser humano encontra também uma forma única de se exprimir. O seu principal objetivo é de manter a saúde dos saudáveis e curar o sofrimento dos doentes. É a arte do equilíbrio total e felicidade, através de uma postura prática, filosófica e espiritual.
O Áyurveda é a ciência da vida que engloba toda a existência do indivíduo e do universo através de uma abordagem holística que promove a interação constante entre o corpo, mente, sentidos e espírito bem como entre todos os aspectos práticos da vida tais como as relações sociais, meio ambiente, estilo de vida, profissão, etc.
As orientações para a promoção da saúde promovem interatividade entre a nutrição, exercício, rotina diária, descanso, meditação, respiração e utilização de ervas medicinais juntamente com processos de limpeza e rejuvenescimento do corpo, mente e espírito.
O Áyurveda não impõe regras, receitas ou terapias, pois pretende levar o indivíduo a desenvolver um conhecimento autônomo sobre os métodos e princípios ayurvédicos de forma a poder fazer as suas escolhas, ouvindo o seu corpo e características individuais, respeitando as suas reações. Assim, desenvolverá um conhecimento instintivo sobre as formas adequadas de auto-cura de forma a criar, manter e recuperar uma saúde equilibrada.
Tirar o melhor partido dos conhecimentos ayurvédicos é conhecer a relação entre o indivíduo e tudo aquilo que o rodeia, podendo-se adaptar e aproveitar os recursos específicos de cada zona geográfica, clima e estação do ano. Esta relação dever ser tanto em proveito do indivíduo como da natureza, uma vez que somos uma representação da mesma.
O Áyurveda responde integralmente ao indivíduo que necessita de um acompanhamento físico, mental ou espiritual. Todas as suas recomendações são únicas e diferentes para cada pessoa.
A sua filosofia se baseia na teoria dos cinco elementos, os Pancha Mahábhutas, elementos que formam toda a manifestação material do universo. São eles éter, ar, fogo, água e terra. Toda a matéria que existe no universo provém destes cinco elementos, inclusive o corpo humano.
A origem do Áyurveda
O Áyurveda é considerado um dos ramos dos Vedas. Mais comumente, ele é relacionado como um Veda a parte do Rg Veda ou do Atharva Veda. Mas, segundo o Charaka Samhitá, ele é, na verdade, uma corrente de conhecimento que vem de geração a geração, desde a eternidade, paralelamente com a literatura védica. Por isso, na Índia se diz que o Áyurveda originou-se diretamente do próprio Criador (Brahmá), antes mesmo da criação do Universo. O Áyurveda é considerado eterno, porque ninguém realmente sabe em que época ele ainda não existia. Tudo isso mostra sua longa tradição e a sua profunda ligação com a cultura indiana.
De acordo com a História da Índia antiga, a tradição do Áyurveda começou diretamente a partir de Brahmá, que o passou integralmente, através de Dasa Prajapati e do deus Indra, ao sábio Bharadwaja, ou Atri, os quais entregaram toda essa ciência nas mãos do sábio Atreya. Isso demonstra que a tradição do Áyurveda, até Indra, é uma tradição divina, e que foram os sábios Bharadwaja ou Atri que a trouxeram para o plano terreno. O sábio Atreya, após o ter recebido, discutiu os tópicos de medicina ayurvédica com os mestres da época em diversos simpósios, organizados em várias partes do país, e formulou os conceitos básicos do Áyurveda como um sistema de medicina humana. Atreya formou diversos discípulos, mas o mais famoso e brilhante deles foi Agnivesa, que escreveu o Agnivesa Tantra (Tratado de Agnivesa). Os outros discípulos também escreveram vários compêndios, representantes da famosa Escola de Atreya (ou medicina), mas o Agnivesa Tantra foi sempre o texto mais reconhecido e adotado. Posteriormente, esse tratado foi refinado e ampliado pelo sabio Charaka, e passou a ser conhecido como Charaka Samhitá, embora o tratado original de Agnivesa tenha permanecido por um longo período, como se constata pelas diversas citações encontradas em vários textos comentados da época. O Charaka Samhitá, por sua vez, também foi revisto por um mestre da Caxemira chamado Drdhabala, e o texto atual do Charaka Samhitá, lido em todo o mundo, e considerado a "bíblia" viva do Áyurveda, é o próprio Agnivesa Tantra refinado por Charaka e posteriormente revisado por Drdhabala.
Em termos de datas, para fundamentação histórica do Áyurveda, não é fácil se estabelecer números em calendários aceitos na atualidade. Contudo, segundo os registros disponíveis, de acordo a literatura pesquisada, podemos fixar que o sábio Atreya viveu por volta do ano 1000 a.C., o que nos remonta para uma idade de 3000 anos de história. O sábio Charaka, por sua vez, segundo os dados de que dispomos, viveu por volta de 500 a.C., o que nos remonta a uma época situada há 2500 anos. Muitas outras datas e números são encontrados na literatura e na tradição da cultura indiana, mas são pouco fundamentadas em termos de registros históricos válidos. Não se sabe por quanto tempo o conhecimento sobre o Áyurveda permaneceu sendo difundido antes de ser entregue a Atreya. Talvez por isso se diz, considerando os períodos que antecedem Atreya, que o Áyurveda é praticado na Índia há mais de 5000 anos.
A evolução do Áyurveda
O sucesso do Áyurveda no mundo atual tem como bases principais dois aspectos igualmente importantes: primeiramente, sua história de quase 5000 anos de tradição, que rompe as barreiras impostas pelo tempo e pelas fronteiras culturais, sobrepondo-se sobre todas as transformações sociais, políticas e científicas. O Áyurveda consegue não apenas manter-se vivo em seu local de origem, mas também expandir-se pelo mundo e inserir-se naturalmente na vida de povos dos mais diversos países do mundo. Em segundo lugar, esse sucesso pode ser atribuído à evolução do Áyurveda dentro do conceito de ciência e a sua inserção no meio acadêmico moderno, o que constitui uma vitória sobre os preconceitos e sobre o separatismo que a ciência moderna impõe sobre as formas de saber tradicional. Esse segundo aspecto configura-se como uma afirmação científica de acordo com os moldes racionais e positivistas do mundo ocidental, estruturada a partir dos estudos e pesquisas da ciência oficial. A estruturação científica do Áyurveda acontece especialmente na Índia, onde ele é ensinado nas Universidades, dentro dos cursos de Medicina e de Farmácia, em conjunto com os conhecimentos da medicina ocidental moderna. Atualmente, os estudantes de Medicina na Índia cumprem dois anos de estudos ayurvédicos, paralelamente com o aprendizado da medicina ocidental, durante os seis anos de curso médico. Isso mostra a força do Áyurveda enquanto um saber tradicional que se mantém vivo, apesar da invasão cultural estrangeira.
O Brasil é um país muito novo. Pode ser considerado um bebê em relação à Índia e seus cinco milênios de História. Isso dificulta a nossa compreensão do que seja uma tradição cultural ou um saber médico tradicional que resiste ao tempo, à colonização e a todo o seu processo de aculturação. Nos dias atuais, quando recém completamos nossos 500 anos de colonização, vemos nossos índios se manifestarem contra uma atitude nacional que expressa a maior de todas as aculturações possíveis: o fato de estarmos comemorando o “descobrimento” do Brasil, como se antes ele fosse uma terra despovoada, sem donos, sem vida e sem cultura. O afastamento de nossa cultura original foi tão grande que sequer reconhecemos que existia algo aqui antes da implantação da cultura européia do século XVI. Na Índia, apesar da colonização inglesa, que reprimia as manifestações de identidade cultural do povo indiano, a cultura védica tradicional jamais pôde ser destruída. Ela continuou se manifestando no íntimo dos lares e dos corações dos indianos, até o advento da revolução cultural conduzida por Gandhi, após a qual a sabedoria, a filosofia e a ciência tradicionais foram reconduzidas ao estado de oficialidade.
Com a integração do Áyurveda ao sistema político e científico oficial, as Universidades abriram espaço para estudos, pesquisas e ensino acadêmico dessa ciência, que correspondeu a todas as expectativas dos seus adeptos, fazendo confirmar, a cada dia, as suas bases teóricas através de experimentos cientificamente reconhecidos. É claro que ainda existe uma vasta gama de conhecimentos ayurvédicos a serem pesquisados, como de resto em toda a ciência e em toda a medicina moderna. Sabe-se que, atualmente, menos de uma terça parte dos procedimentos e condutas da medicina ocidental moderna foi pesquisada de acordo com os moldes mais rigorosos da metodologia científica. Assim, também, o Áyurveda encontra-se em fase de evolução dentro desse rigor científico, mas, como já mencionamos acima, ele já venceu a prova mais difícil de todas, que é a prova do tempo, esta sobre a qual a medicina moderna ainda não conseguiu se impor, tendo em vista as constantes quedas de teorias e práticas, que hoje são a Lei e amanhã caem por terra, derrubadas por outras novidades. Além disso, considerando-se a questão do tempo de vida, a medicina científica moderna, com seus menos de 200 anos de história, pode ser comparada a um embrião em relação ao Áyurveda, imutável em seus princípios há cinco mil anos.
O que podemos afirmar é que o Áyurveda cativa pela sua genial simplicidade, pela inexplicável magia de revelar há milênios verdades científicas que só recentemente puderam ser desvendadas pela ciência moderna, e pela eficiência enquanto uma terapia natural, atóxica, suave e potencialmente barata.
Por todos esses aspectos, o Áyurveda é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um sistema médico a ser adotado especialmente pelos países em desenvolvimento, em nome do já antigo sonho de tornar a saúde um bem acessível a todos os cidadãos do planeta.
Áyurveda através da história
As curas ayurvédicas são comuns nas vilas onde o acesso a outros tratamentos médicos ainda é restrito, a habilidade do Vaidya (médico ayurvédico) pode quase sempre fazer a diferença entre a vida ou a morte.
A preservação entre o passado e o presente se faz viva e muito comum entre os estudiosos e especialistas em Áyurveda, a leitura diária dos versos do Charaka Samhitá, um dos mais antigos textos ayurvédicos, datado em aproximadamente 800 a.C., e contem palavras anteriores ao juramento de Hipócrates.
... dia e noite com todo o teu coração e tua alma,
te empenharás para aliviar o sofrimento dos pacientes...
Charaka Samhitá
Todos os praticantes do Áyurveda devem se recordar sempre dessas preciosas palavras escritas em forma de hino que refletem as bases dessa milenar medicina.
As lendas contam que o Áyurveda apareceu quando os rshís ou Homens Santos (videntes), foram aos Bosques Sagrados de Badari Vana, pedir aos elevados Seres um meio de curar as doenças humanas, eles escreveram quatro livros, chamados os Vedas que contem os textos originais do Áyurveda. O Áyurveda foi visto como um conhecimento vindo dos deuses e os primeiros tratamentos eram baseados em encantamentos e rituais, mesmo séculos atrás os Vedas já haviam classificado detalhadamente as doenças mais comuns, encontrando utilidades em milhares de ervas para tratamentos. Hoje em dia a ciência ocidental esta apenas começando a encontrar meios de incorporar o notável conhecimento do Áyurveda aos termos médicos modernos.
Escritos em sânscrito, os textos ayurvédicos do Charaka vão desde a psicologia até a medicina interna, outros textos subseqüentes como o Sushrut Samhitá mostram que os médicos indianos foram os primeiros a fazer cirurgias plásticas, e que também introduziram mais de cem instrumentos cirúrgicos, não muito diferentes dos que são utilizados hoje em dia. Além de ilustrar os vários métodos de curar os feridos em batalhas, o texto Sushrut descreve operações de hérnias, de cataratas e de tumores no cérebro, revelando uma ciência bem a frente de seu tempo. Mesmo assim a medicina ayurvédica deixou de avançar em suas técnicas cirúrgicas, provavelmente por causa da influência do Budismo no século terceiro antes de cristo, alguns dizem que a filosofia budista da compaixão pode ter impedido os médicos de fazerem novas experiências.
Em tempos remotos não existia tecnologia e formas de estudos que nos dias atuais são acrescentados ao Áyurveda. Embora medicamentos ocidentais dificilmente são utilizados no Áyurveda, hoje os médicos ayurvédicos incorporam normalmente as informações de radiografias, tomografias e exames laboratoriais para obter um quadro mais amplo do paciente.
A medicina ayurvédica trabalha com princípios que não se encontram na medicina moderna, a idéia da utilização do Shirodhara (técnica muito conhecida, onde um fio de óleo fica vertendo sobre a testa da pessoa) para acalmar a mente e forçar o corpo a dar reação hormonal contra o stress, são formas de tratamentos que não encontramos nas terapias modernas.
A utilização e a pesquisa das ervas no Áyurveda são muito grandes, estudos sobre o tema são encontrados desde as primeiras literaturas do Áyurveda até os dias atuais. O respeito e a harmonia com a natureza e a sabedoria da eficácia de determinadas ervas, levaram os especialistas em Áyurveda a nomeá-las com nomes de deuses. O respeito engloba horários específicos para as colheitas, estações de plantio, da colheita e clima para não afetar o potencial de uma planta, esta é uma observação muito em especial.
Embora os cientistas já consigam identificar as plantas medicinais do léxico Áyurveda, eles ainda não conseguiram isolar completamente os princípios ativos que dão as plantas suas propriedades, um único medicamento ayurvédico normalmente consiste em mais de uma planta e é utilizada a sua casca ou raiz ou caule.
Diferentemente das massagens ocidentais nas quais os benefícios são vistos principalmente como terapêuticos, a ciência do Áyurveda tem uma visão mais ampla de seus benefícios, embora as ações possam ser as mesmas, as massagens feitas em cada terapia usam ervas e óleos variados a fim de alcançar resultados diferentes.
A marca da ciência do Áyurveda é a ênfase no estilo de vida da pessoa. A rotina diária do ser humano descrita nos livros sagrados como Dináchárya, é de grande importância e apontada como principal fonte de longevidade. Parece obvio, mais os textos ayurvédicos transformam isso em arte, ensinando desde a maneira como a pessoa respira, à posição em que dorme, bem como o horário das refeições que podem afetar o seu bem-estar.
Texto organizado por Fernando Liguori a partir dos seguintes artigos:
Áyurveda – A Ciência da Cura Humana por Fernando Liguori
Áyurveda – Ciência da Vida por Erick Schulz
Áyurveda – texto do Wikipédia
Introdução à Áyurveda por Miguel Figueiredo
Introdução ao Áyurveda por David Frawley
Origem & Evolução do Áyurveda por Danilo Maciel Carneiro
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